Nunca percebi aquela coisa das pessoas não poderem ver sangue, que ficam mal dispostas ou desmaiam. A mim isto nunca me incomodou; sempre consegui olhar para feridas sem qualquer problema, apesar de saber bem que não tinha vocação para a medicina. Há o clássico mito dos pais que vão assistir ao parto dos filhos e que depois têm de ser assistidos pelo pessoal médico, porque se sentiram mal. Porém, tenho de admitir que neste momento já posso dizer que sei o que isso é.
Tudo aconteceu naquela longínqua manhã de Primavera... (ok, vou deixar-me de mariquices e conto a história tal como foi). Quando estivemos em Lisboa, o Stas já tinha combinado com um amigo nosso cirurgião encontrarem-se para ele lhe arrancar uns sinais. Após algumas desmarcações, lá conseguimos ir ter ao local de trabalho dele. Pensámos que seria um consultório numa clínica. Ao chegar, encaminham-nos para o bloco operatório. "Calma lá", pensei eu, "isto não era suposto ser uma coisita fácil?" Apareceu uma enfermeira que chamou o Stas e me mandou esperar ali numa sala. Enquanto dava uma olhadela pela TV 7 Dias (a única revista na sala), apareceu-me o Stas por ali vestido com uma bata de hospital e com umas protecções nos pés. Mais tarde apareceu o nosso amigo médico, também vestido "à operações". Lá me convenci que, afinal, o Stas ia levar uns belos cortes. Passado sei lá quanto tempo, a enfermeira veio chamar-me porque "o sr. dr. quer explicar como se têm de fazer os pensos". Não percebi muito bem ao que ia, mas fui. Deu-me também uma bata e umas coisas para os pés e encaminhou-me para a sala de operações. Quando entrei, estava o Stas imóvel, deitado na marquesa e o nosso amigo a dar uns retoques finais. Na altura comentei, em tom de brincadeira: "Então, é agora que vou desmaiar?" Numa mesinha ao lado deles vi os bisturis e outros objectos utilizados, bem como os sinais extraídos (envoltos em sangue, claro). O médico começou a mostrar-me as feridas e a explicar que umas levaram pontos e tinha de se fazer assim, outras não então fazia-se assado, etc. Comecei a ver sangue espalhado por vários sítios (panos, compressas, etc). Mas o pior acho que foi ter de analisar cada uma das feridas recém-feitas. A visão da carne atada com pontos foi para mim o limite! Sem me aperceber, comecei a sentir-me de repente a perder as forças. Sentia uns calores a virem e a cabeça a ficar tonta. Decidi ir à sala do lado por uns momentos sentar-me. Meti a cabeça entre as pernas, porque pensei que seria uma quebra de tensão. Quando me senti um pouco melhor, voltei, mas apenas para acrescentar aos sintomas uma dor de estômago. Neste dia descobri com certeza absoluta que não tenho vocação para a medicina, nem para a enfermagem.